quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Eloá e a violência de gênero




Esperei passar um pouco a comoção para escrever sobre o caso Eloá. Assassinatos de mulheres sempre mexem comigo. Minha biografia, de certa forma, está vinculada ao feminismo. Sou filho de uma mulher forte e vencedora, o que não foi o suficiente para cortar bons dobrados nas mãos dos homens. Isso gerou elementos críticos em minha consciência, a ponto de militar em uma causa que aparentemente não é minha. Uma causa cujo discurso oficial dá como perdida, todas as vezes que aparecem na mídia casos como o de Eloá.
O que mais me revoltou nesse triste episódio, fora o assassinato propriamente dito, foi a forma como agiu a polícia, que a todo momento parecia querer justificar a violência praticada pelo assassino. Como se estivesse autorizando (porque vem de autoridades constituídas) a todo o momento, o seqüestrador a, em nome de um suposto amor, praticar tal ato de violência. O pior dessa estória, é que tal justificativa se dá sob uma nova roupagem, travestida de um psicologismo barato, e com o suposto objetivo de salvar a todos. De fato todos foram salvos. Menos a grande vítima: Eloá. A velha roupagem deste crime é o nosso velho conhecido crime passional. Em poucas palavras: um homem traído, violentado em sua masculinidade, seduzido pelos terríveis atributos de “Eva”, pode tudo, inclusive maltratar, violentar, matar... E isso se justifica porque cabe a mulher cumprir de forma exemplar seu destino de perfeita. As mulheres não podem ter desejo e quando ousam usar de uma transgressora liberdade podem ser (e quase sempre o são), punidas. Liberdade para as mulheres ainda implica em sanções. Como ousa uma mulecota de 15 anos terminar com um homem de 22, arrumar um outro namoradinho e sair ilesa dessa estória? Não pode! O coitado tinha de surtar! Essa foi a impressão que tive, com a história oficial que me estava sendo narrada, tanto pela polícia, quanto por parte da imprensa sensacionalista. Isso me entristece, pois parece que foi estéril o esforço de feministas na década de 70, que picharam os muros das grandes capitais, com a palavra de ordem “Quem ama não mata”. O sangue de Ângela Diniz parece não ter sido suficiente para desmontar a farsa do homem vítima da mulher devoradora, a qual cabe a justiça feita pelas próprias mãos. Décadas mais tarde, Maria da Penha Maia quebrou o silêncio de anos de violência praticada por seu marido, dando origem a lei que leva o seu nome. Importante passo para a criminalização de atos de violência contra a mulher. Mas esses fatos históricos e dolorosos, além de todos aqueles que carecem de visibilidade, mas que estão presentes em nosso cotidiano, parecem não ter sido suficientes para fazer com que os crimes praticados em decorrência do gênero sejam tratados com rigor. Tenho a nítida impressão de que se Eloá não tivesse sido morta, a possibilidade de o assassino ser perdoado pela opinião pública, e quiçá pela justiça, seria grande. O que não entra em minha cabeça é a mistura que faz entre ser honesto (trabalhador!) e mau caráter, machista. Por isso, nós homens, temos de entrar nessa luta da violência contra as mulheres. O que ocorreu em Santo André foi um caso de violência de gênero. Não o caso de violência de um homem trabalhador apaixonado e obsecado, contra a adolescente sedutora e alegre. Foi um caso que se perpetua sob novas roupagens e que dão origem a inúmeras formas de violência contra a mulher, cujas sutilezas não permitem que as identifiquemos como parte da problemática de gênero.

2 comentários:

Unknown disse...

Querido, lindas palavras. Tambem me comovi muito com esse caso... e vc em palavras doces e sinceras resumiu o sentimentos de milhares de pessoas que "agonizaram" com esse triste fim...
Beijos...

Unknown disse...

Suas palavras jogaram luz sobre vários aspectos desse caso tão comovente... Muitos outros poderão, com suas contribuições, ajudar na compreensão ( se é que é possível ) dos fatos que ocorreram. Nunca é demais lembrar que :"QUEM AMA NÃO MATA".
Não acompanhei a trama que compôs essa tragédia, porém, me arriscaria a dizer que:
- a violência ( ou as violências ) contra quem quer que seja, está se tornando banal no Brasil. Precisamos repudiar todas as formas de violência, seja por motivo étnico, de gênero, social, religioso, etc.
Valeu a pena, Dionísio, ler o seu texto; ampliei a minha compreensão! Obrigado!