segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Obama lá, não aqui!


A grande expectativa no Brasil deste início de ano fica por conta da posse de Barack Obama. O novo presidente dos EUA tem gerado uma onda de otimismo, como se fosse a salvação de décadas de exploração e imperialismo norteamericano. Em um momento em que a economia estadunidense passa por uma violenta crise, acho estranho que a expectativa seja mais nossa (pelo menos é o que me parece), do que deles. Mas a explicação deste entusiasmo talvez resida na baixa autoestima do brasileiro, mais especificamente do negro brasileiro. Isso me leva a pensar que há um “que” de ingenuidade na esperança depositada na posse do primeiro presidente negro da história dos países desenvolvidos e como se nossas mazelas estivessem com os dias contados.
Talvez a explicação mais viável para esse equivocado entusiasmo seja um desconhecimento da dinâmica racial que acompanha Brasil e EUA em suas especificidades. As mazelas dos negros americanos ainda estão lá, e a capital Washington é uma prova cabal disso. Tive a oportunidade de conhecer DC em abril do ano passado e como todo bom assistente social fiz questão de percorrer bairros periféricos da capital americana. Claro que presenciei um grande, para não dizer imenso, contingente negro em condições precárias de existência e desemprego.
Washington tem hoje uma das maiores populações negras dos EUA e um dos maiores índices de criminalidade, o que me faz associá-la a precariedade e pobreza de um pais que optou por um capitalismo selvagem como forma de gerar um suposto (e desigual) desenvolvimento. Mesmo assim, o contingente de negros na universidade é relevante o bastante para gerar uma considerável classe média negra americana, fruto de um bem sucedido sistema de cotas, do qual inclusive o presidente Obama foi beneficiado. Se as questões racistas entre os estadunidenses ainda não estão suficientemente resolvidas, e ainda geram conflitos raciais violentos, o drama da intolerância se agrava a partir de uma nova configuração da problemática racial, proveniente do inesgotável processo imigratório. Os ‘cucarachas” estão lá e não deixam dúvidas, fazendo o trabalho sujo que o americano médio não quer fazer. As fronteiras ainda estão a todo vapor, despejando, literalmente, milhares de ilegais todos os meses, em um país que só pode oferecer frio (frieza) e trabalho semiescravo, mas invocando estrategicamente a todo momento o “american way of life”, como forma de permanecer no topo do mundo.
Aqui as coisas são diferentes. Ainda há uma luta pela implantação das cotas. A classe dominante não quer “largar o osso” e afirma tratar-se as cotas de um racismo às avessas. Parece se esquecer, porque conveniente, de séculos de escravidão que enriqueceu seus antepassados e alimenta, ainda hoje, suas aplicações nos paraísos fiscais do Caribe. O mito da democracia racial, do qual Gilberto Freire foi multiplicador e idealizador com seu “Casa Grande e Senzala”, ainda tenta dar conta de que vivemos em um paraíso racial, multiétnico e colorido, isento de grande conflitos. Estatísticas mentirosas procuram demonstrar numericamente a chegada do negro brasileiro à classe média, como se as favelas e guetos lotados de pretos fossem espaço de conforto e qualidade de vida. As prisões estão lotadas de homens negros e os filhos pretinhos desta população têm grande chance de não terminar sequer o nível fundamental.
Mesmo assim continuamos a depositar no pobre Obama nossas frustrações, expectativas e sonhos não realizados, como se a história dos negros brasileiros e americanos fosse uma só. É importante, considero, estabelecer sim uma ponte entre o racismo nos dois paises, considerando a grande diápora negra, consequência da concretização da base do capitalismo contemporâneo. Entretanto não é menos importante relativizar os sentimentos dos negros americanos com a chegada de Obama ao poder, na medida em que, se houver progressos na questão racial americana, serão na e para a sociedade americana, coberta de possibilidades concretas de mudança, haja vista a trajetória do novo presidente. O que sobrar para o Brasil, a curto e médio prazo, pode ser apenas uma passageira elevação na autoestima, que deve passar, quando percebermos que a nova estrela pop da política internacional governará tão somente para os americanos. Mas devo dizer que fiquei feliz e... que é bom ter um negão lá, lá isso é. A ver!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Sobre o amor e a morte...




O que se pensa ou se fala sobre as relações interpessoais, ou ainda, as relações que convencionamos chamar de amorosas ou afetivo-sexuais, envolvem um grande cabedal de reflexões. Todos sabemos teorizar ou filosofar sobre o amor, sobretudo quando estamos apaixonados ou lidamos com situações de discurso afeto em nosso dia-a-dia. Em meu cotidiano profissional costumo ouvir de tudo um pouco, ainda que às vezes somente possa dar espaço a catarse pura e imediata. Aquela que libera a respiração para outras falas que me interessam em meu processo interventivo. Mas não adianta. Tudo o que ouço está ligado, extremamente ligado, ao afeto. Não há como ignorar as falas, que sendo da ordem das relações humanas e afetivas, promovem em mim necessidades de reflexão. Daí tenho pensado no amor e na morte. Seriam instâncias meramente opostas? Não seria reducionista atribuir à falta de amor, o desejo de morrer? Mas seria esse desejo, uma aproximação concreta e consciente da morte física e biológica?
Emile Durkheim em “O Suicídio” (1897) ousou dizer que o autoextermínio teria uma razão,uma motivação social e não individual. Sendo assim o sociólogo e pai da sociologia descreve três tipos de suicídio: o egoísta, no qual o indivíduo se afasta de sua condição humana; o anômico ou original, em que se vêem obstruídas as possibilidades de se estabelecer normas e regras que valorizem a vida e o altruísta, suicídio por lealdade a uma causa. Durkheim estava parcialmente certo ou relutantemente errado, o que se pode observar com as idéias revolucionárias de Sigmund Freud acerca do inconsciente.
Contemporâneo idéias de Durkheim, Freud, sobre a morte, ou “quase” sobre a morte, fundamenta em sua extensa obra o conceito de “pulsão de morte”. Este reside na argumentação que tem como referência a biologia (e seus parâmetros positivistas)e a mitologia grega, quando vai de encontro ao mito de Aristófanes, cujo objetivo foi alcançar uma vida amorosa favorável – sua pulsão de vida – de acordo com a leitura Freudiana.
A pulsão destrutiva - de morte – sugere, assim, um retorno ao inanimado, à inércia que procede a vida. E é essa negação do “eu” vivo e constante, do pulsar da vida biológica, que o pai da psicanálise avalia como um conflito psíquico, que tem como base desejos que são aparentemente antagônicos, porque presentes na vida de todos nós, em maior ou menor intensidade. Esse é o aparente antagonismo entre a vida (Eros) e a morte (Thânatos), ao qual todos, todos, estamos sujeitos.
Em tempos de masoquismos e autoboicotes há de se fazer uma diferenciação entre estes e o amor, segundo a psicanálise inaugurada por Freud. Os primeiros se aproximam do adiamento da satisfação, da recusa da condição desejante do prazer, porque autodestrutivo. Ao amor, nos cabe vinculá-lo à sublimação que, para além das pulsões, permite o exercício do prazer, não só pelo sexo, mas em atividades psíquicas elevadas, artísticas ou ideológicas. Afastando-se dos estados de infelicidade ou comportamentos antissociais, o amor sublime parece produzir, se sublime de fato, um afastamento do “eu” inadequado à vida que pulsa. O amor não pode, portanto, sufocar. Não deve ser aquele que se justifica pelo discurso inoportuno do “eu te amo” que avança cegamente sobre o outro (ou dos outros) – que descaracteriza esse outro e que por isso pretende do outro se apropriar.
Assim, os amores doentios significam uma captura da essência do outro, que não é mais nada, senão a causa dos desejos (de TODOS os desejos) de quem supostamente se ama. Na ilusão do outro tratar-se de um “ser total”, transformamos nosso pares na fonte do impossível, do inatingível, do inumano... do perfeito.
Desta forma, o amor sublimado tem como fim gerar o belo, ainda que por caminhos tortuosos que podem percorrer, por exemplo, o estado fugaz da paixão (ainda que às vezes seja esse um caminho deliciosamente perigoso) – mas que pode avançar em direção à ética, ao sofrimento do(s) outro(s), à escuta e compreensão daquele(a) que percebemos como fonte de nossos desejos . O amor então caminha em direção à sublimação, porque se pretende sublime, ou como disse Sócrates: “O amor parece ser um intermediário entre os homens e os deuses”.
Falemos mais do amor, esse sentimento tão banalizado em nosso dia-a-dia e que por ser tão pouco compreendido fornece elementos medíocres para folhetins baratos, sem substância e sem significado para a vida que pulsa.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Feliz 2009!


Ontem recebi uma ligação de uma pessoa a quem prezo muito. Trata-se de Gabriel, amigo que conheci quando morei e vivi dias maravilhosos na Espanha, país que aprendi a amar! Estudei com Gabriel na Universidade Autônoma de Madri, mais especificamente em uma disciplina que discutia as relações de gênero, ministrada por uma amiga em comum, Cristina Sánches Muñoz. Gabriel é uma pessoa especial. Logo nas primeiras semanas de aula fomos a um dos inúmeros cafés da universidade, o que fez que durante o curso levássemos para a sala de aula os papos acalorados que tínhamos durante um churro e outro. Isso fez, e honestamente é um mero detalhe nessa estória de amizade, que engrenássemos um namoro, que fez com que minha estada na capital espanhola se tornasse mais colorida e feliz! Viajamos pra caramba e aprendi com este espanhol de Villa Verde Alto, coisas que a universidade se recusa a ensinar: humildade intelectual e coragem de falar coisas que nem sempre a maioria, porque careta demais, gostaria de ouvir. Voltei para o Brasil e Gabriel, pouco depois, se casou com uma feminista judia, amiga em comum, e recentemente me disse ter se convertido ao islamismo, para desespero da mãe, católica ferrenha. Ruth Meyer, amiga e mulher de Gabriel, agora espera uma filha, que se chamará Raquel.
Na conversa de quase duas horas no MSN, em que conversamos sobre a vida e seus descompassos, este irmão me revelou a preocupação e responsabilidade em botar no mundo uma mulher. Como garantir a felicidade de um filho, perguntava? O que priorizar na educação? Como ensinar uma mulher a se proteger de um mundo ainda machista? Me recordo de, no Marrocos, numa atitude panfletária e juvenil, sairmos juntos catando o lixo que alguns turistas babacas jogavam no chão das medinas, só para provocar um debate sobre a consciência ecológica. Não fomos felizes nos debates provocados, mas éramos felizes por termos com quem compartilhar idéias e reflexões em meio à falta de consciência de pessoas que se dizem civilizadas. Gabriel me disse uma coisa que me emocionou: “quisera Alah prover para Rachel amigos como tu , para que pudesse se sentir amparada em momentos de reivindicação por civilidade e amor ao próximo”. Fiquei feliz e emocionado, embora ache, honestamente, que a pequena filha de meu amigo mereça coisa melhor! Ando menos panfletário, admito. Mas ainda acho que seja nossa maior responsabilidade SER alguém disponível, para que o outro se sinta acolhido em suas angústias e questionamentos. Isso não é fácil. É um exercício diário, de total desprendimento daquilo que levamos a vida inteira fazendo, alimentando nosso ego e nosso individualismo. Estar disponível, acredito, é estar aberto às diferenças, sabendo que o objetivo é ser igual no direito de viver com dignidade. Por isso procede e muito a preocupação de Gabriel. Afinal, o que estamos fazendo para que Raquel encontre um mundo melhor?
Honestamente penso que avancei um pouco, após 42 anos de vida, no sentimento de alteridade, de me colocar no lugar do outro, não por questões puramente religiosas, mas porque considero, sobretudo, uma atitude ética, onde o coletivo deve ser o fim, e não o meio para benefícios individuais. Talvez Gandhi tenha sido um dos maiores sábios do século passado, quando disse que devemos ser nós mesmos, a mudança que queremos para o mundo e assim, projetarmos no outro, esses avanços, em direção à um mundo justo e fraterno. Sei das dificuldades que isso envolve, mas pelo menos Gabriel pode continuar contando comigo para enfrentar àqueles que jogam no chão das medinas da vida sua falta de consciência. Isso já é um começo. Um bom começo também seria no dia-a-dia de nossas ações cotidianas e aparentemente banais: respeitarmos as filas, darmos lugar aos idosos nos coletivos, jogarmos lixo nas lixeiras, darmos bom dia aos vizinhos, ter uma atitude de carinho com o outro sempre que estivermos mal humorados, não termos sentimentos de vingança... definitivamente não é uma tarefa fácil. Mas refletir sobre isso, certamente fará com que amanhã avancemos em direção a um mundo melhor, onde a pena (o pior dos sentimentos, em minha opinião, porque nos coloca acima do outro, e não em condições de igualdade), dê lugar ao sentimento mais nobre que podemos ter: o amor.
No final de minha “terapia” com Gabriel, não pude deixar de perguntar por que este, casado com uma judia, não se converteu ao judaísmo, optando pelo islamismo. Meu amigo, quando achei que já tinha me ensinado o suficiente no último dia do ano, me respondeu: “Porque me converter ao islamismo pode me proporcionar exatamente o que desejo de uma relação: o respeito e a absoluta tolerância às diferenças. O que mais poderia ser um exemplo de amor para minha filha Raquel, do que isso?” Seja bem-vinda Raquel. Tio Dionísio já te ama profundamente.

FELIZ 2009!!!!!!!!!!!!!!!