domingo, 14 de dezembro de 2008

100 anos de Burle Marx


“O território é o dado essencial da vida cotidiana”, já dizia o grande geógrafo Milton Santos. Eu humildemente acrescentaria, já que as idéias deste gênio levam a tal conclusão, essencial da vida humana. Aquela que pulsa entre as ruas e avenidas, aparentemente dispostas pelo destino imposto por engenheiros e arquitetos. O grande geógrafo enunciava que a noção de espaço é indivisível dos seres humanos que o habitam, e estes o modificam todos os dias. Sendo assim o território envolve, ao mesmo tempo, forma e função. Trata-se, assim, de uma construção simbólica coletiva, contínua e cotidiana, operada por todos nós, que habitamos nosso território. Talvez por isso seja preciso generosidade ao lidarmos com espaço onde estamos inseridos. Uma generosidade que passa pela forma como olhamos para esse espaço, interferimos nesse espaço e principalmente, como o preparamos para gerações futuras. Fernando Pessoa dizia que “os deuses são deuses porque não se pensam”. Se pensar, ou pensarmos diariamente como estamos lidando com nossas condições objetivas e subjetivas de vida, significa resgatar nossa condição humana de forma coletiva. Afinal, como diria Hanna Arendt, "Quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens”.
Foi pensando nisso que percorri com entusiasmo a exposição (gratuita!) do Paço Imperial, em comemoração aos 100 anos de nascimento Roberto Burle Marx. O que se expõe é a materialização da generosidade de um homem, em relação ao espaço em que viveu, e no qual vivemos nós, agora.
A exposição revela um Burle Marx que poucos conhecem. Pintor, desenhista, escultor, cronista, cenógrafo, músico e joalheiro, o homem que conhecemos como paisagista usou a arte como mediadora para concretização de um sonho. Tornar pleno de luz, cor e beleza, o que antes poderia ter como destino o concreto armado, foi seu grande desafio.
Herdeiro do modernismo, Burle Marx usou e abusou do cubismo e do abstracionismo em prol de projetos visuais singulares e modernos. O que parecia impossível diante de fortes influências européias (em especial a inglesa e francesa), se tornou viável diante do investimento em uma arte voltada para as especificidades brasileiras e tropicais. Por isso, Lauro Cavalcante, curador da exposição, inclui o artista entre o que chama de “artistas totais”. Aqueles a quem o destino reserva a árdua tarefa de fazer a intercessão entre as artes e o espaço territorial. E é isso que vemos na exposição.
No térreo já podemos encontrar um belo jardim, projeto para a área interna do Museu Nacional de Belas Artes (RJ). No primeiro pavimento, ao som de Schubert, Mahler, Brahms e Beethoven (seus compositores prediletos), nos deparamos com lindos painéis de tecidos. O pincel de Burle Marx também revela um artista preocupado com o todo, ou como disse Mário Pedrosa já em 1958 no Jornal do Brasil: “ Os pincéis de Burle Marx são ditados para um pensamento sintético, que leva cada detalhe a participar da idéia do todo (...). E o próprio esquema de cores não é mais independente, produto do mero gosto impressionista do pintor. Agora (com Burle Marx) tudo é forma, espaço.
E haja espaço para tanta arte e sensibilidade. Estão expostos na antiga casa real, projetos famosos de paisagismo no Brasil, como o do Aterro do Flamengo (RJ), Parque da Pampulha (BH), Palácio Gustavo Capanema (Ministério da Educação – RJ), Parque do Ibirapuera (SP), e internacionais como o da Praça Rosa de Luxemburgo (Berlim). Esses projetos revelam uma quase obsessão pela beleza, aliada à funcionalidade. Ou como disse o próprio Burle Marx: “Em relação à minha vida de artista plástico, da mais rigorosa formação disciplinar para o desenho e a pintura, o jardim foi, de fato, uma sedimentação de circunstâncias. Foi somente o interesse de aplicar sobre a própria natureza os fundamentos da composição plástica de acordo com sentimento estético de minha época.” E assim, o artista inseriu em suas paisagens criadas, a antes negligenciada flora brasileira.
Trata-se de um privilégio para nossa cidade abrigar uma exposição desse porte, não somente pela qualidade e organização, mas porque o Rio foi a terra na qual viveu esse paulista generoso, capaz de pensar a vida cotidiana e o espaço no qual vivemos, como arte.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Rebobine (e veja), por favor!!!


Poucas vezes ri tanto com um filme. Sou meio desconfiado com comédias americanas, mas tem uma galera fora do esquemão holywoodiano, a do baixo orçamento, que adoro. Incluo nesta seleta lista os filmes aparentemente babacas de Michel Gondry (Brilho eterno de uma mente sem lembranças). “Rebobine por favor” (Be Kind Rewind), que estreiou hoje, é hilário! Poucas vezes se pode ver um roteiro que prime pela originalidade e ao mesmo tempo divirta (quase mijei de tanto rir), sem subestimar a inteligência do espectador. O filme é engraçado sim, mas o pano de fundo é de uma ácida crítica aos blockbusters que arrecadam milhões de dólares, mas que na maioria das vezes não fazem pensar ou sequer divertem.
Pra começar, e até justificar tanto humor rasgado e o nonsense do filme, a história se passa, não em New York (onde se ambientam 9 entre 10 filmões americanos), mas no insípido, inodoro e incolor estado de New Jersey, parte dos fundos da cosmopolita NY. Bingo! Um filme que fala da possibilidade de fazer cinema sem dinheiro e que subverte a lógica das altas produções americanas, valorizando o trash o lema “ uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, não poderia ter sido mais feliz na escolha da locação.
O roteiro é despretensioso, mas genial. Seguinte: um tiozinho (Danny Glover), que tem uma locadora de filmes VHS, se vê em apuros quando a especulação imobiliária chega às suas portas. Um prédio bem velho (tipo Rio Antigo), onde supostamente viveu uma lenda do Jazz é seu único bem e fonte de sobrevivência. Na era dos DVDs ( que estavam começando à chegar), a pequena locadora vive às moscas, e o simpático tiozinho resolve reagir e investigar formas de modernizar seu negócio, prestes a falir. Desavisado, viaja, mas deixa o empreendimento nas mãos de dois malucos-beleza (Jack Black e Mos Def) que se vêem às voltas com uma acidental desmagnetização das fitas de vídeo. Isso basta para que, diante da necessidade de locar as fitas, resolvessem... REFILMAR, REPRODUZIR as películas!! Não, vocês não entenderam mal. As toscas criaturas resolveram colocar dentro das fitas, as suas versões trash de arraza-quarteirões como... Robocop, Caça-fantasmas, Conduzindo Miss Dayse, Hora do Rush, 2001 uma Odisséia no Espaço, O Rei Leão... e cujo o público, apaixonado pelas novas versões (suecadas), solicitassem. O auge da criatividade (ou desespero) fica por conta do momento em que os três, agora com a ajuda de uma outra criatura insana, têm a brilhante idéia de fazer as refilmagens com os próprios interessados, ou seja, os clientes da locadora. As cenas são tão hilárias e capazes de deixar Zé do Caixão ou Afonso Brazza com dores abdominais. Eu fiquei, e por isso recomendo. Diversão certa cambada!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A AIDS E OS EFEITOS DA “LONGA DURAÇÃO” E DA MEMÓRIA



Como tradicionalmente acontece no dia 1º de dezembro, o mundo volta-se (cada vez menos, é verdade) para reflexões acerca da AIDS. Como fenômeno histórico e imerso no caldo cultural da glogalização, acho oportuno fazer algumas considerações sobre o que considero como determinantes para que algumas questões, de ordem moral e religiosa, ainda persigam a AIDS.
O início oficial AIDS, na década de 1980, trouxe à tona uma série de questões que, relacionadas a uma doença sem cura, potencializou um debate acerca do que, comumente, chamamos de preconceito. Temas antes debatidos e polarizados através de grupos progressistas e conservadores, geralmente situados no âmbito das ciências sociais e humanas mas, também, inseridos na moral religiosa, agora encontravam-se envolvidos no mundo da ciência natural, em especial na medicina, que anunciava aos quatro ventos a descoberta de uma doença incurável.
As particularidades que cercaram (e ainda cercam) a AIDS residem no fato desta estar relacionada a minorias historicamente discriminadas e ser, dentro de uma definição médica, uma doença sexualmente transmissível.
Estas duas particularidades, logo identificadas pela comunidade científica, geraram, ao longo destas duas últimas décadas, um vigoroso debate que trouxe à tona a chamada dimensão social da epidemia. Não que as outras doenças já existentes também não a tivessem, mas o binômio AIDS-morte e sua relação com grupos de homossexuais, usuários de drogas (injetáveis) e profissionais do sexo, bem como a relação de todos estes elementos com a prática sexual, revelou-se um emaranhado de análises que conduziram, inclusive, às primeiras medidas de enfrentamento da doença, sejam elas governamentais ou não governamentais. As duas particularidades enunciadas e sua presença consciente ou inconsciente, sejam no senso comum ou no discurso científico, podem ser definidas como um processo de elementos de “longa duração” que acompanham a AIDS desde os primórdios, infiltrando-se na memória coletiva, ainda que sendo parte de uma história considerada recente, como a da epidemia de AIDS. A problematização dos conceitos de “longa duração” e “memória” e suas possibilidades de análise no âmbito do Serviço Social, constituem, portanto, o eixo de análise deste artigo.(1)


Aids, “longa duração” e “memória”

A análise histórica dos fatos tem conseguido ultrapassar o “tempo curto”, ou de uma sucessão de fatos situados apenas na amplitude de nossos olhos. Ou seja, o alcance dos elementos subjacentes aos fatos histórico-sociais tem sido contemplado pela chamada “nova história” através de um constante resgate da perspectiva histórica de longa duração ou como afirma Braudel (1992a:355): “É na massa inteira da história que realidades de “longa duração” impõem sua presença, sempre prontas para forçar o curso das coisas”. Neste sentido, a história apresenta-se como um testemunho de familiaridades que se ligam a “uma corrente de acontecimentos, de realidades subjacentes” (Braudel, 1992b: 45) e interligados um ao outro. Como exemplo significativo, uma análise do papel da história das instituições, religiões e civilizações revelariam muito menos novidades que conceberiam nossos historiadores do “tempo curto”, avançando-se em direção ao desvelamento de elementos subjacentes à uma história meramente factual e de uma dimensão estritamente particular.
A partir desta perspectiva de uma história cuja duração social apresenta-se como substrato da vida atual, pode-se reconhecer no (ad)evento da descoberta da AIDS, uma série de elementos que, se na origem da epidemia já traziam substantivos elementos históricos relacionados à homossexualidade, uso de drogas e prostituição , por outro lado pode afirmar que o motor da história reconduziu estes mesmos elementos, agora relacionados à uma doença sem cura e disseminada particularmente por via sexual, a novas análises e práticas correspondentes.
Um elemento imprescindível, quando se trata de enfatizar o processo de “longa duração” na epidemia de AIDS, é a memória, como depositária deste processo estrutural e, que assegura “ora o retraimento, ora o transbordamento” do tempo e da história, como recurso dos mecanismos de manipulação da memória coletiva” (Le Goff, 1994: 426). Cabe ressaltar que tais processos são sobremaneira potencializados pela revolução informacional, a qual a sociedade contemporânea tem testemunhado, e onde há uma reconfiguração dos limites de tempo e espaço que atravessam com imagens ou fisicamente (à longa distância e em curto período de tempo) uma memória outrora oral ou escrita.
Com relação à homossexualidade e seu peso histórico na constituição de uma “idéia” acerca da AIDS, a contribuição de Cerqueira e Mott (2002:49) é indispensável, tendo em vista a observância dos autores quanto à relação da homossexualidade com as grandes tragédias humanas, como a destruição de Sodoma e Gomorra, a queda do Império Romano, a destruição da ordem dos templários etc, além da disseminação da mais dramática epidemia mundial: a AIDS.
Portanto, termos como peste gay, câncer cor-de-rosa, ou a expressão mais estigmatizada e que denota as vítimas desta epidemia, aidético, conectam a “longa duração” e a memória, não só a elementos históricos longínquos, mas acrescidos de novos ditames históricos que já acompanhavam a homossexualidade antes do (ad)evento da AIDS.
No caso dos profissionais do sexo atingidos pela epidemia que estava por se instalar, infere-se que os códigos morais que, por séculos, acompanharam as práticas chamadas de prostituição, somente corroboraram a idéia de uma doença relacionada à “promiscuidade” sexual, o que vem sendo desconstruída hoje, devido ao alto índice de mulheres casadas e optantes pela monogamia, infectadas pelo HIV. Mesmo assim, reconhecem-se, ainda hoje, os efeitos da “longa duração” de elementos que acompanham a prática dos profissionais do sexo através dos tempos e que podem ser traduzidos em programas ou projetos que “tentam” tirar estas pessoas da prostituição.
Estas iniciativas, e este é um importante dado a ser analisado, podem estar relacionadas a uma dimensão moral, tendo em vista uma significativa participação das diversas religiões no contexto de respostas frente à AIDS, na medida em que os diferentes “mandatos ou vocações” das inúmeras denominações religiosas, especialmente as de origem judaico-cristãs, são acrescidos de variadas propostas de intervenção (Galvão, 1997:109).
Sendo assim, não se pode deixar de reconhecer o fenômeno religioso como um importante vetor de contribuição de uma “longa duração” de ditames morais e de uma propagação desta dimensão moral no âmbito da memória coletiva e que repercute não só contra o mercado de trabalho que envolve a prostituição, mas, também, em relação à homossexualidade e ao uso de drogas, a partir de juízos de valor.(2)
Quanto ao uso de drogas, pode-se inferir que fatores como leis que criminalizam o usuário em detrimento de políticas de enfrentamento como a distribuição de seringas descartáveis (redução de danos), bem como políticas de prevenção específicas, só para citar dois exemplos, já demonstram o quanto às realidades subjacentes a drogadição e que denotam a pluralidade do tempo social e seu caráter estrutural, podem determinar respostas eficazes à epidemia de AIDS.
A exata dimensão que se coloca à frente de nossos olhos, é que demandam, portanto, um desvelamento destas estruturas ou as “(…) permanências ou sobrevivências no imenso domínio cultural” (Braudel: 1992b: 50), social ou econômico, e que requerem, também, “uma renúncia da temporalidade linear em proveito dos tempos vividos múltiplos, nos níveis em que o individual se enraíza no social e no coletivo” (Le Goff: 1994: 473).
Cabe ressaltar que Braudel, ao sistematizar seu conceito de “longa duração”, mesmo em uma perspectiva que privilegia em determinados momentos, o determinismo geográfico, reconhece no pensamento de Marx a originalidade do que poderíamos chamar de análise estrutural, ultrapassando uma história que privilegia o tempo curto, avançando, ainda que de maneira limitada, em direção à categoria totalidade.
No que tange ao conceito de memória, de Le Goff, convém afirmar que pode-se perfeitamente relacioná-lo com o processo de produção de consciência da classe trabalhadora, conforme enunciado por Marx, uma vez que a memória para Le Goff e, conforme anteriormente sinalizado, pode ser um poderoso mecanismo de manipulação coletiva se utilizado por forças conservadoras.
Neste sentido, o diálogo com teóricos que podem ser considerados pela literatura marxiana e pela tradição marxista, como representantes científicos da classe burguesa, podem ter um reconhecimento também científico de suas análises acerca das realidades sócio-econômico-culturais, cabendo ao interlocutor superá-las, tanto a partir de uma teoria verdadeiramente crítica, quanto pela consciência de que “existem diferentes pontos de vista científicos que estão vinculados a diferentes pontos de vista de classe.” (Lowy, 1985: 104).
Sendo assim, defendo que as representações que temos acerca da AIDS, hoje, ainda guardam significativos elementos que surgiram nos primórdios da epidemia e que, lamentavelmente, reforçam preconceitos e estigmas vinculados a forças conservadoras e retrógradas, que por sua vez geram atitudes individuais e coletivas excludentes.
(1) Segundo revela o artigo de Olívia Pavani Naveira, Fernand Braudel e Jacques Le Goff situam-se entre os autores da chamada Escola dos Annales, cujas propostas encontram-se em dois eixos centrais que são a reinvindicação de uma história experimental científica e a convicção de uma unidade em construção entre a História e as Ciências Sociais. Delimita-se , assim, como objetivo primordial tirar a História de seu isolamento disciplinar, liberando-a para envolver-se em temáticas e metodologias existentes em outras disciplinas, revelando a intenção de fazer uma história de caráter interdisciplinar. Cabe ressaltar uma importante diferença entre a referida escola e o marxismo utópico, tendo em vista que não existe nos Annales uma teoria de transformação social e de luta de classes. O “evento’ histórico, nesta pespectiva, não é, portanto, ruptura, transformação profunda e estrutural. NAVEIRA, Olívia Pavani. “Os Annales e as suas influências com as ciências sociais”. www.klepsidra.net – acesso em 16/06/2006.
(2) Os hemofílicos também foram identificados como potenciais portadores do vírus HIV, em uma época em que o sangue, proveniente dos bancos de sangue particulares, eram de qualidade estritamente duvidosa, tendo um controle quase nulo do Estado sobre as referidas práticas. O diferencial desta população, é que frente à opinião pública, eram considerados “vítimas inocentes” da infecção pelo HIV. PARKER, Richard. A Construção da Solidariedade. AIDS, sexualidade e política no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992: 35.

Bibliografia
BRAUDEL, Fernand. Reflexões Sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1992b.
__________. História e Ciências Sociais: a longa duração. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1992a.
CERQUEIRA, Marcelo e MOTT, Luiz. AIDS e suas Interfaces com a Violência. Mimeo, 1999.
COUTINHO, Carlos Nelson. “Pluralismo: dimensões teóricas e políticas”. In Cadernos ABESS, n.4. São Paulo: Ed. Cortez, 1991.
GALVÃO, Jane. “As respostas religiosas frente à epidemia de HIV/AIDS no Brasil In Parker, Richard (org). Políticas, Instituições e Aids: enfrentando a epidemia no Brasil”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, ABIA, 1997.
.LE GOFF, Jacques. Memória, história e memória. Campina: Ed, UNICAMP, 1994.

As paradas gays e o marasmo existencial


Aconteceu no último dia 23 de novembro, a terceira parada gay da Zona Leste de São Paulo. Acho que é a temporão. Não me surpreendi com a data. Há muito tempo o dia 28 de junho (Dia Internacional do Orgulho Gay) deixou de ser uma referência para os eventos da militância LGBTTS. Isso se deve a vários motivos. Mas o principal, considero, são as especificidades de cada lugar onde ocorre parada. Estas especificidades relacionam-se, em primeiro lugar, à boa vontade e interesse das autoridades em liberar o espaço onde vai ocorrer o evento (em geral a avenida mais movimentada da cidade ou bairro). Como as paradas ultimamente viraram um grande celeiro de votos, o dilema é quase sempre resolvido.
Outra especificidade está ligada aos patrocínios e apoios. Tendo em vista que a população alvo mostra-se extremamente consumidora, os apoios acabam surgindo (boates, sites de relacionamento, saunas, além do imprescindível apoio público), viabilizando apoio logístico/estrutural. Considero este o mais importante. Não consigo imaginar uma parada LGBTTS sem os famosos trios elétricos, e que transformam um evento pretensamente político em um grande micareta. Claro que o teor político das paradas está capengando, mas não se pode negar que nunca, o chamando movimento gay, teve tanta visibilidade, mesmo que às custas de matérias sensacionalistas e ridículas. Mas voltemos às especificidades. Talvez o menos preponderante para a viabilização destas manifestações seja as diferenças que encontramos dentro do próprio movimento. Como se pode observar, está cada vez mais nítida uma grande cisão entre o que chamamos genericamente de homossexuais. Nesta imensa fauna de indivíduos ávidos por igualdade podemos distinguir um grande espectro de sexualidades e seus comportamentos correlatos, o que transforma as paradas gays em um grande espetáculo, que faz jus ao seu símbolo maior: o arco-íris. Temos hoje como representantes desses matizes entendidos, travestis, transexuais, bichas-loucas, boysinhos, barbies, caminhoneiras, lesbian-chics, gilettes etc, etc... É muita informação, acreditem. E essa é a riqueza que guarda cada parada gay. Dependendo do lugar onde ocorrem, esses personagens da vida real aparecem com mais ou menos intensidade ou quantidade, caracterizando de maneira explícita o modus vivendi de cada território. Traduzindo: a forma como a população GLBTT é tratada ou vista pelo local.
As paradas surgem, portanto, como uma alternativa (legítima) ao marasmo da cidade/localidade, o que faz com que a relação gay-alegria se acentue. Se isso é uma estratégia, eu não sei. Mas acredito tratar-se de uma faca de dois gumes, que pode voltar em forma de estigma e exigências estapafúrdias (todo gay tem a obrigação de estar alegre). Mas a estratégia anti-marasmo está dentro de um contexto maior. Trata-se de uma tendência global, que Guy Debord chamou há quatro décadas atrás de “sociedade do espetáculo”: “Nosso tempo, sem dúvida... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser”, afirma o pensador. Nessa lógica, as micaretas gays cumprem bem seu mandato, quebrando o marasmo social. Espero que quebrem, também, o marasmo existencial de milhares de homens e mulheres, que continuam, por motivos de ordem estritamente pessoal, a reprimir seus desejos mais intensos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Ultima Parada - 174


Grande parte do sucesso do cinema nacional, na atualidade, deve-se à descoberta do filão violência – injustiça social (Pixote, Cidade de Deus, Tropa de Elite, etc). Como outrora tivemos o filão da sexualidade gratuita, principalmente nas comédias de mau gosto da Boca do Lixo, hoje enveredamos por um esforço de reflexão sobre a questão social, que constrói homens, mulheres e crianças desafortunados e engolidos por um sistema cruel e desigual. Digo que é um esforço, porque o compromisso de um filme com o orçamento de “Ultima parada – 174”, que estreiou no último dia 24, justifica-se pela necessidade de fazer com que milhões de pessoas assistam a película. Isso implica em um certo compromisso com a grande indústria cinematográfica, sem dúvida. Em síntese: deve render dindim e prêmios. O Filme de Bruno Barreto mostra-se competente nisso e merece ser visto, não só pelo esforço reflexivo e capricho da direção, mas principalmente pelas excelentes atuações (destaco Cris Vianna, Michel Gomes e Marcello Melo).
Impossível não fazer comparação com o documentário de José Padilha (Ônibus 174), mas trata-se de uma outra proposta. O filme de Barreto traz elementos que conseguem aglutinar um bom roteiro (Mauro Mantovani), crítica social, boa qualidade, alto orçamento e um lançamento competente (Globo Filmes, Moonshot Pictures, Movie & Art, Paramount Pictures -135 cópias), sem a pieguice que às vezes impregna filmes com proposta social. Apesar de a sinopse dizer tratar-se de um filme “sobre a natureza humana” e não sobre os problemas sociais brasileiros, fica impossível não associar as misérias humanas ao que as determinam: as condições desumanas de vida. O filme consegue trazer à tona a velha discussão que sempre lança a pergunta: de onde surgem os atos ilícitos praticados por crianças e adolescentes? Sem dúvida fica claro, muitas vezes no filme, tratar-se de um grande esquema que suga destes jovens suas potencialidades criativas e de vida. Como pode uma criança sobreviver a condições subumanas de vida, sem que isso não as tornem frias... agressivas? Não me parece possível estabelecer um corte entre o indivíduo e a sociedade que o constrói. Esse é o grande mérito do filme. Consegue estabelecer de forma competente um elo entre o particular e a estrutura onde esse particular está inserido. E Barreto não mede esforços para que tal conexão seja feita. Utiliza-se de muitos elementos simbólicos do que eu, particularmente, chamo de luta de classes: a mãe viciada que perde seu filho para o bandido da favela, o filho que cresce nas mãos do bandido perigoso da favela, o filho que se torna um bandido, a mãe convertida e arrependida que procura o filho perdido, sexo entre meninos e meninas em situação de rua, a heroína de classe média da ONG, que dá murros em ponta de faca, a truculência policial, pobreza, desigualdade, revolta e por aí vai. Fora estes jargões da ficção engajada, o filme consegue manter uma crítica interessante ao que chamamos de desigualdade social e, ainda assim, falar de questões da ordem do particular, do indivíduo, da natureza humana. Escorrega em alguns exageros, como o caso da estagiária no ônibus que, alheia ao que está acontecendo, tenta justificar um atraso para o chefe, diante de uma arma em suas fuças. Mas tudo bem... nada é perfeito. O filme vale a pena ser visto, pela coragem de mostrar que, qualquer criança ou adolescente que tenha passado pelas humilhações pelas quais passaram os muitos Sandros, poderiam ter seu dia de fúria. Tomara que o filme consiga convencer-nos de que a violência, praticada por crianças e adolescentes infratores, é infinitamente menor que a violência que sofreram durante toda a vida.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Eloá e a violência de gênero




Esperei passar um pouco a comoção para escrever sobre o caso Eloá. Assassinatos de mulheres sempre mexem comigo. Minha biografia, de certa forma, está vinculada ao feminismo. Sou filho de uma mulher forte e vencedora, o que não foi o suficiente para cortar bons dobrados nas mãos dos homens. Isso gerou elementos críticos em minha consciência, a ponto de militar em uma causa que aparentemente não é minha. Uma causa cujo discurso oficial dá como perdida, todas as vezes que aparecem na mídia casos como o de Eloá.
O que mais me revoltou nesse triste episódio, fora o assassinato propriamente dito, foi a forma como agiu a polícia, que a todo momento parecia querer justificar a violência praticada pelo assassino. Como se estivesse autorizando (porque vem de autoridades constituídas) a todo o momento, o seqüestrador a, em nome de um suposto amor, praticar tal ato de violência. O pior dessa estória, é que tal justificativa se dá sob uma nova roupagem, travestida de um psicologismo barato, e com o suposto objetivo de salvar a todos. De fato todos foram salvos. Menos a grande vítima: Eloá. A velha roupagem deste crime é o nosso velho conhecido crime passional. Em poucas palavras: um homem traído, violentado em sua masculinidade, seduzido pelos terríveis atributos de “Eva”, pode tudo, inclusive maltratar, violentar, matar... E isso se justifica porque cabe a mulher cumprir de forma exemplar seu destino de perfeita. As mulheres não podem ter desejo e quando ousam usar de uma transgressora liberdade podem ser (e quase sempre o são), punidas. Liberdade para as mulheres ainda implica em sanções. Como ousa uma mulecota de 15 anos terminar com um homem de 22, arrumar um outro namoradinho e sair ilesa dessa estória? Não pode! O coitado tinha de surtar! Essa foi a impressão que tive, com a história oficial que me estava sendo narrada, tanto pela polícia, quanto por parte da imprensa sensacionalista. Isso me entristece, pois parece que foi estéril o esforço de feministas na década de 70, que picharam os muros das grandes capitais, com a palavra de ordem “Quem ama não mata”. O sangue de Ângela Diniz parece não ter sido suficiente para desmontar a farsa do homem vítima da mulher devoradora, a qual cabe a justiça feita pelas próprias mãos. Décadas mais tarde, Maria da Penha Maia quebrou o silêncio de anos de violência praticada por seu marido, dando origem a lei que leva o seu nome. Importante passo para a criminalização de atos de violência contra a mulher. Mas esses fatos históricos e dolorosos, além de todos aqueles que carecem de visibilidade, mas que estão presentes em nosso cotidiano, parecem não ter sido suficientes para fazer com que os crimes praticados em decorrência do gênero sejam tratados com rigor. Tenho a nítida impressão de que se Eloá não tivesse sido morta, a possibilidade de o assassino ser perdoado pela opinião pública, e quiçá pela justiça, seria grande. O que não entra em minha cabeça é a mistura que faz entre ser honesto (trabalhador!) e mau caráter, machista. Por isso, nós homens, temos de entrar nessa luta da violência contra as mulheres. O que ocorreu em Santo André foi um caso de violência de gênero. Não o caso de violência de um homem trabalhador apaixonado e obsecado, contra a adolescente sedutora e alegre. Foi um caso que se perpetua sob novas roupagens e que dão origem a inúmeras formas de violência contra a mulher, cujas sutilezas não permitem que as identifiquemos como parte da problemática de gênero.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


Fiquei surpreso com a notícia de que uma associação de deficientes visuais está preparando um protesto, no dia da estréia do filme “Ensaio Sobre a Cegueira” nos EUA. Segundo a matéria, veiculada no “GLOBO” no último dia 28 de setembro, a associação considerou ofensivo o tratamento dado à cegueira no filme de Fernando Meirelles. Quero deixar claro que sempre apostei no protagonismo dos movimentos sociais e considero legítimos os questionamentos do grupo americano. Só não concordo com o argumento de que são ofensivas e desrespeitosas as questões levantadas sobre a cegueira no filme. Sendo assim, coloco as seguintes questões:

Por que um protesto somente contra o filme e não contra o livro de José Saramago, que vendeu milhões de exemplares e do qual foi adaptado com absoluta fidelidade, o filme?

Será que o enfoque dado à cegueira foi devidamente compreendido? Uma cegueira que ultrapassa o físico e avança em direção ao simbólico?

O argumento de que há um cego de nascença, com atitudes éticas questionáveis, desqualificam todos os cegos? Ainda nessa lógica, o fato de ser cego garante que o indivíduo seja coerente e ético?

Estas são questões com as quais me deparei quando li esta notícia.


O filme de Fernando Meirelles é simplesmente maravilhoso. Um soco no estômago, eu diria.
Em uma cidade não identificada começam a ocorrer casos de uma cegueira inexplicável, aparentemente contagiosa e que se manifesta através de uma nuvem leitosa. Os atingidos pela “cegueira branca”, identificados, são imediatamente encarcerados pelo Estado repressor em um espaço sem nenhuma estrutura. Nessa jornada, a mulher de um médico acometido pela repentina falta de visão, consegue romper o cerco do isolamento, sendo a única pessoa a enxergar, no grupo de cegos que aumenta a cada dia. Com o passar do tempo, afloram nesta estrutura improvisada e segregadora, os instintos mais animalescos. As necessidades básicas não satisfeitas fazem emergir os sentimentos mais obscuros e que, em condições normais, são encobertos pela civilidade gerenciada pelo “superego”.
O livro e o filme conseguem dar a exata dimensão de nossos limites éticos, diante das necessidades mais elementares de nossa existência. A fome, os preconceitos, os medos, a insegurança, o ódio, a cobiça... Estas são algumas das mazelas com as quais se depara nesse universo saramaguiano, tão próximo de nós. Até que ponto a cultura consegue escamotear nossos instintos soterrados em uma suposta civilidade? Será que em nosso dia-a dia, não criamos estratégias que encobrem atitudes animalescas e instintivas, porque justificadas por discursos oficiais religiosos, filosóficos ou científicos? E que, por isso mesmo, são legitimados em nosso dia-a dia? O fato é que a crise moral que se abate sobre os cegos de Saramago é uma crise que se observa na esfera do comum, do familiar... do banal. Por isso choca. Exatamente, porque nos identificamos com ela. A arte proporciona isto. A ficção se torna um espelho que quebraríamos, se fosse possível, por ser doloroso e difícil de se digerir, quando se reconhece nele, nosso próprio reflexo. A cegueira metafórica expressa no filme nos submete (ou deveria nos submeter) a um exame reflexivo de nossas atitudes diárias com o outro e, conseqüentemente, com nós mesmos, na medida em que existimos, também, a partir do outro. Mas nem tudo está perdido. A cegueira também é capaz de fazer com desperte o sentimento de humanidade. O sofrimento pode provocar o sentimento de alteridade. De se colocar no lugar do outro. A partir da dor dos outros, como diria Susan Sontag, podemos reconstruir nossa trajetória. Compreendo todos estes limites, não só por meio de nossas motivações individuais ou subjetivas, mas como parte de um sistema cruel, que aposta no individualismo, como fonte de sobrevivência de um capitalismo feroz e avassalador. Ensaio Sobre a Cegueira deixa claro que a solução reside no coletivo, ainda que devamos respeitar as individualidades.

domingo, 21 de setembro de 2008

Feijoada Imperial, samba, amigos e cerveja...combinação perfeita!


Samba, feijoada e cerveja sempre são uma ótima combinação. Eu pelo menos adoro! Conectadas com esse contexto borbulhante (como diria meu amigo Ney Flávio), as escolas de samba já começaram a temporada de feijoadas pré-carnavalescas. Tudão!!! Ontem fui à Feijoada Impérial, que simplesmente me proporcionou uma das melhores noites de minha vida (sem exagero!!). Além da boa feijoada da Tia Néia, a galera é super receptiva e oferece um mix legal de pessoas, que só poderia terminar em samba de boa qualidade, com os grupo Só Preto Sem Preconceito, Senzala, Toninho Gerais e a bateria frenética de Mestre Átila. Eu adoro o Império Serrano, apesar de ser portelense. A escola da Serrinha, durante muito tempo foi meu point, numa fase em que freqüentava Madureira direto. Foi na época em que morei em Realengo e me acabava ao som dos agogôs mais famosos do carnaval carioca.
Sabe aquela tarde/noite onde tudo é perfeito! Pois é... foi ontem! Juntos, dando nos cadeirões no camarote, estavam pessoas tão diferentes, mas com um único objetivo: se divertir pra caramba. E foi isso que fizemos!!! Claro que a anfitriã da noite, minha amiga poderosa Silvia, top das tops, foi fundamental!!! Silvia recebe como ninguém e esbanja simpatia por todos os lados. Ela consegue administrar beleza, simpatia e simplicidade como ninguém. Valeu Silvinha!!
Além de tudo isso, consegui a oportunidade de reencontrar uma galera que não via fazia um tempão e que amo pra caramba! Só isso já valeria a ida ao Império. Mas o reencontro superou todas as minhas expectativas. Foi simplesmente uma fusão perfeita, de pessoas super divertidas. A cerveja gelada,vinda em baldes de gelo, foi uma ótima solução da escola para suprir a sede do povo que lotou a quadra da Edgard Romero! Bebi horrores!!! Mas o que me emocionou mesmo, foi ter conhecido Tia Maria do Jongo da Serrinha, figura ilustre, não digo nem do Império, mas do Brasil e que ficou um bom tempo com a gente no camarote. Só quem trabalha com o resgate e manutenção da cultura negra nesse país sabe como é difícil desenvolver projetos nessa área. E isso Tia Maria faz com muita dignidade e como poucos. Aliás, dignidade é uma coisa que essa guerreira exala por todos os poros. Simpática, tirou da bolsa um álbum de fotos que é uma preciosidade, mas que, nem de longe, exprime a importância que ela tem pro Brasil e pra todos que, através do jongo, conseguem mostrar o que de melhor representa nosso país. Aliás, eu disse isso para ela!!! Morro tranqüilo agora! Depois fui com uma galera pro Coração de Mãe, ao lado do Madureira Shopping. Apesar de ter acabado a luz (!), este pagode estava lotaaaaado! Seguindo a ferveção, claro, fomos pra rua da Portela rir mais um pouco e dá-lhe mais cerveja e o clássico podrão de fim de noite! É... Madureira continua mandando!!!! Salve Madureira!!!! Salve a amizade!! Salve o samba!!!!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Reflexões sobre o acesso ao trabalho


Foi numa mesa de bar que um grande amigo me disse que não achava o trabalho humano tão importante assim. Eu que acho que o trabalho continua sendo central na vida humana e que sempre gosto de levantar uma polêmica, ainda mais com amigos, iniciei um debate ali mesmo. Mas como se tratava de uma confraternização, achei que não convinha continuar a celeuma, pois sempre corre-se o risco de sermos indelicados em algum momento. E indelicado é uma coisa que me esforço para não ser. Por isso resolvi escrever este post, que parece meio fora de contexto. Puro desabafo!!! Esse é pra você Steffan. Segura!!
Sempre desconfiei do discurso oficial (leia-se governamental) de que os índices de desemprego estão caindo. Cheguei à conclusão, depois de muito queimar a mufunfa e refletir sobre o assunto, que o discurso não estão de todo errado. Pior. Está tremendamente equivocado. O principal instrumento do qual dispõe os órgãos de medição dos níveis de desemprego em qualquer lugar do mundo é... a procura por emprego. Ou seja, se muitas pessoas procuram emprego, a taxa de desemprego é alta. Seja uma busca nos órgãos governamentais ou nas milhares empresas de RH espalhadas pelo mundo. O problema é que as pessoas não estão procurando emprego porque estão trabalhando. O que não significa que estejam empregadas. Quando digo empregadas quero dizer, trabalhando com e sob determinadas garantias trabalhistas. De proteção social mesmo. Aquelas que garantem o que já estamos carecas de saber e nem sempre usufruir: carteira assinada, FGTS, férias, décimo terceiro, desconto de INSS, vale transporte, etc, etc, etc. Na verdade um grande contingente não está empregado. Não tem vínculos trabalhistas que lhe permitam gozar destes direitos historicamente conquistados. Antes, estão inseridas em um mercado de trabalho informal, precarizado, temporário. Que de tão precário, não permite que paguem sequer o INSS, nem na forma de contribuinte individual, a antiga autonomia. Isso é barra!
No caso do Brasil estas pessoas, homens, mulheres e crianças, são vítimas de uma modernização tardia de processo de industrialização (também tardio), cuja reestruturação produtiva exige um alto grau de conhecimento de tecnologias, cuja maioria das pessoas, principalmente as de gerações mais antigas, não tiveram a chance de acompanhar e portanto não dominam. São excluídos, tanto por uma questão geracional (os mais velhos têm mais dificuldades de arrumar trabalho, isso é fato), quanto por não conseguir acessar tecnologias de ponta exigidas pelo concorrido mercado de trabalho. Mas a exclusão não se resume aos mais balzaquianos. Os mais jovens (digo os jovens pobres) também têm tido dificuldades de alcançar os requisitos admissionais de empresas que exigem, além de um acesso à educação formal, habilidades cada vez mais complexas, tanto na indústria, como no setor de serviços. Neste último, a absorção da mão de obra se dá de uma forma ainda mais cruel e onde vamos encontrar uma saga de desprotegidos como camelôs (a Uruguaiana não me deixa mentir), as trabalhadoras domésticas, os vendedores autônomos (Avon, Natura, etc), e toda uma gama de trabalhadores e trabalhadoras que, por estar minimamente ganhando o mínimo para sua subsistência, não vão gastar dinheiro de passagem para se candidatar à postos de trabalho cuja resposta, provavelmente será negativa. Ouvir NÃO o tempo todo cansa, penso eu. Eu cansaria. Além disso, o discurso que domina o (escasso) mercado de trabalho é aquele que exalta o empreendedorismo como vantajoso (seja seu próprio patrão!). Diante disto, o melhor de fato, segundo o discurso da moda, é partir para atitudes empreendedoras que dissimulam uma falsa liberdade, que na realidade se transforma em fortes dores de cabeça quando, por algum motivo, não se pode trabalhar (os casos de doenças são típicos) e não se pagou o INSS. Trabalhar para si mesmo envereda por um caminho tortuoso que, não raramente, acaba com o tempo livre a que todos tem direito. Perde-se a noção do que é trabalho e o que é lazer ou descanso (se é que há descanso!). No caso das mulheres, esta situação é ainda mais cruel. Geralmente ocorre uma dupla jornada de trabalho, que faz com que as mulheres acumulem atribuições historicamente imputadas ao sexo feminino (como cuidar da casa, dos filhos, marido, dos mais velhos), com atividades (mal) remuneradas. A flexibilização das leis trabalhistas foi o tiro de misericórdia em cima de uma população sofrida e cuja desculpa esfarrapada, tenta nos fazer acreditar que trabalhadores têm o mesmo poder que patrões em uma mesa de negociação salarial. Tudo isso diante de grande crise sindical, com sindicatos (vide a CUT e outras centrais sindicais), que foram cooptados pelo governo. Mentira quando se fala que a flexibilização das leis de proteção de trabalho vão gerar mais emmprego! Todos sabemos que o enorme contingente de reserva que está por aí, necessitando de trabalho, está pronto para assumir trabalhos em condições ultrajantes por pura necessidade. Pronto Steffan! Estou aliviado!

domingo, 14 de setembro de 2008

Velho Casanova...


Confesso que o fim do Cabaré Casanova como espaço exclusivamente GLS me pegou de surpresa. Não sou o tipo saudosista, nem acho que tudo é para sempre. Mas o cabaré foi singular na minha vida e me sinto na obrigação de render uma homenagem, ainda que singela, a este espaço tão significativo, já que não vi nenhuma manifestação do gênero. Fiquei realmente triste, apesar de há muito tempo não freqüentar a casa de som e público eclético e democrático. Me parece que este fim precoce e sem sentido caracteriza também o fim de uma era. Sei perfeitamente que a casa, que sempre gozou de prestígio entre seu público alvo, também sofreu, paradoxalmente, com a revitalização da Lapa e sua transformação em espaço descolado. Afirmo que se trata de um paradoxo, pois esta revitalização, ao invés de incrementar o cabaré, diluiu sua clientela em outros espaços, não necessariamente GLS, agora tão em moda na nigth carioca.
O Casanova foi um espaço histórico e de inegável resistência da comunidade gay no Rio de Janeiro. Numa época em que não se falava em direitos civis de gays, lésbicas e todo o arco-íris, lá estava o velho “Cabaré” transgredindo padrões de comportamento, inclusive em plena ditadura militar. Juntava em seu vasto repertório humano e musical diferentes tendências e preferências. Talvez na região central do Rio, os espaços mais significativos tenham sido, além do próprio Cabaré, o famoso Boêmio´s, que fechou as portas em 1998 e que foi agora transmutado definitivamente, penso eu, em restaurante natureba. Reza a lenda que, quando ainda era “Bifão”, a casa recebeu uma das mais promissoras transformistas da noite gay carioca, mas que já havia passado pelo concorrido fervo da Lapa, antes de uma rusga com a estrela da casa, Marlene Casanova. Tratava-se de Laura Clayper, que mais tarde, não sei porque cargas d’agua, viria a se transformar no furacão Laura de Vison (ou mamãe parabólica!). Assim, o público que circulava democraticamente pelas duas casas podia ver, tanto os shows escatológicos de Laura, na escada mais famosa do Rio, quanto as dublagens suburbano-glamurosas de Meime dos Brilhos e suas convidadas. Ganhava o centro. Ganhava o mundo gay e lésbico. O auge das duas casas, afirmam pessoas com as quais conversei e viveram intensamente aquela época, foi o que se caracterizou pela correria das estrelas transformistas, para dar conta de apresentações nas duas casas concorrentes, de exibições realizadas no domingo anterior no Show de Calouros do Silvio Santos. Estrelas como Angélica Ravache, Erick Barreto e Andréa Gasparelli eram as divas da dublagem nacional, antes da hegemonia do bate-cabelo (ataque epilético como diria Suzy Brasil), que tem no palco da paulistana Blue Space sua maior expressão. No outro extremo desse Rio mágico, na zona sul carioca, o carão ficava por conta das apertadas e pseudo-sofisticadas “Sótão” e "Le Jardim" da Galeria Alasca. Ah! As poderosas também circulavam pela descolada “Papagay”, na Lagoa, para ver as incríveis performances de um cast especializado em shows andróginos. O mais engraçado é que quase todos/as freqüentavam as boates do centro, mesmo que nas rodinhas da “bolsa” de Copa, bem em frente ao Copacabana Pálace (a Farme era apenas um tímido projeto de point gay) negassem de pés juntos tal possibilidade (Deus é mais, deviam dizer as mais indignadas!).
Tavez o grande mérito do Casanova tenha sido o fato de ter sobrevivido a uma Lapa ainda marginal e povoada por travestism, não menos marginalizados e descendentes diretos da mítica Madame Satã. Era a Lapa de uma malandragem perigosa, mas meio inocente diante do que conhecemos hoje. Uma Lapa que atraía, ao final da noite, os velhos camburões que, não raramente, observavam com atenção o público bêbado e feliz da vida, que saía da casa . Não sei... mas tenho a impressão que o tiro de misericórdia do Casanova, que recebeu espetáculos de Carlos Machado em sua época de ouro, tenha sido, não somente os botecos mudernos da Lapa, mas o agressivo marketing do “pague pouco e beba todas”, iniciado pelo cult “Buraco da Lacraia” e similares. O velho Cabaré, provavelmente, não suportou a concorrência. Uma pena. Fica aí o relato e a tristeza de uma pessoa que, apesar de não ter vivenciado tantas estórias da casa, vê no seu melancólico encerramento o fim de uma era de boates com shows divertidos, pretensamente glamurosos, mas precursores da arte da dublagem no Brasil. Mas como nada é pra sempre mesmo, vamos esperar e ver o que nos reserva os anos que vêm por aí. Valeu Cabaré!!

sábado, 13 de setembro de 2008

Viagem à Curitiba...


Eu não conhecia Curitiba. Confesso até que tinha uma certa resistência em conhecer essa cidade. Papo vai, papo vem, alguns amigos me diziam coisa impublicáveis da capital do Paraná. Coisas tipo: gente antipática, cidade asséptica, povo etnocêntrico. Coisas assim... Como rolou uma boa oportunidade de participar de um evento na cidade resolvi enfrentar a resistência e fui. Mas confesso que não investiria dinheiro algum em me aventurar pela cidade, antes de conhecê-la, ainda mais com as (péssimas) referências que obtive. Sabe como são os amigos... implacáveis. E certamente diriam, caso eu odiasse a cidade: não te falei!!!! Odeio ouvir isso!

Curitiba I


Uma semana na cidade já me permite algumas observações. Espero não estar sendo injusto, mas prometo me retratar, caso mude de idéia ou me convençam do contrário. A cidade de Curitiba é funcional. Só isso já valeria como pretexto para visitar aquela que é considerada a capital nacional da qualidade de vida. Quase tudo funciona. Desde o sistema de transporte (pagam-se modestos R$ 8,00 por um confortável ônibus que sai do Aeroporto e deixa próximo à maioria dos hotéis), até a variedade de restaurantes (concentrados em sua maioria no bairro de Santa Felicidade zona gastronômica de Curitiba). O povo curitibano é bastante gentil (ao contrário do que me diziam) e capazes de gestos surpreendentes, como de um senhor que vendo que eu e uma amiga não estávamos conseguindo um táxi, se mostrou solidário informando o ponto mais próximo, sem que tivéssemos pedido. Achei 1000. E não foram só estes gestos. Todos sabem que a maior referência turística de uma cidade são os motoristas de táxi. Em Curitiba não é diferente. Com uma diferença. Tive a impressão que são extremamente honestos e cordiais. Existe uma tal de URBE, que gerencia o transporte público e treina os profissionais. Só este esforço já vale um tremendo elogio à administração da cidade. Mais isso não é coisa de uma gestão. Fica claro ser um acúmulo de boas iniciativas, que fizeram da cidade uma capital funcional e LIMPA, é bom que se diga. Os pontos turísticos são outro forte da cidade. Nada que se compare ao Rio de Janeiro, mas tive boas surpresas. Se pagamos R$ 16,00 podemos circular pela cidade em um confortável ônibus de turismo, com direito a quatro paradas (os ônibus convencionais custam R$1,90). Tudo isso com uma voz em off que resume, em alguns minutos, em português, espanhol e inglês, a história do lugar ou ponto turístico. Se não tiver saco pra usar todos os tickets em um só dia, pode deixar para o dia seguinte. No problem. Ponto pra cidade!
O ápice da viagem foi sem dúvida o passeio de trem pela Serra do Mar descendo 976 metros a partir da rodoferroviária de Curitiba. Por modestos R$ 28,00 fiz uma viagem (em classe econômica) maravilhosa, de quatro horas, e que me proporcionou momentos inesquecíveis. Com direito à guia e tudo. A viagem de trem nos leva até o município de Morretes a 10 m de altitude. Trata-se de uma cidadezinha que já foi um importante entreposto de alimentos, mas que com o processo de industrialização da capital e o crescimento do turismo ecológico viu sua importância reduzida ao turismo. Mas acho que basta. A pequena cidade parece cumprir bem essa missão. No caminho para Morretes, ainda no trem, percebe-se um tímido mas crescente processo de favelização (que o guia chamou equivocadamente de urbanização!) às margens da ferrovia. Típico sinal de que cabem aos pobres as zonas mais periféricas e sem estrutura alguma. Viajando no trem, nem parece que nossa Mata Atlântica está à beira da extinção. O pouco que sobrevive, às custas de projetos ambientais corajosos é simplesmente exuberante. A cidade não me pareceu cara e há uma boa rede hoteleira que supre de maneira eficiente a fluxo de turismo na cidade. Recomendo visitar a Catedral de Nª Srª da Luz (onde assisti uma linda missa em homenagem à padroeira da cidade), a Ópera de Arame, o centro histórico e o museu Oscar Niemeyer, onde vi exposições maravilhosas de Tarsila do Amaral e da história da cardiologia no Brasil. Ah... não deixem de visitar os parques da cidade. Curitiba tem uma área verde invejável. Foi muito bom ver crianças e velhinhos passeando pelos parques, nos raros momentos de sol que presenciei na cidade que me ofereceu nove graus de temperatura.

Curitiba II




Acho que fui fofo com a cidade, não fui? Mas Curitiba me alertou para uma coisa que já desconfiava. O conceito de qualidade de vida é da ordem do particular. Do subjetivo. Portanto é relativo. É necessário frisar, portanto, que falo de um lugar específico. Sou carioca. E como todo carioca vi frustradas algumas expectativas em relação à cidade. A nigth por exemplo. Não sou exatamente um boêmio, mas adoro conhecer as baladas alheias. Constatei nessa tentativa que Curitiba não é exatamente uma cidade boêmia. Essa fama deve continuar, merecidamente, com Rio e SP. A night é sofrível, é bom que se diga. E se pretende sair, o eficiente sistema de transporte verificado durante o dia não valerá para a noite. Prepare-se pra desembolsar a grana do táxi. As bebidas não são caras. Paguei R$ 3,00 pela latinha de cerveja (Kaiser) na SPM, boate localizada no centro da cidade e lotada de teenagers. O show é meia bomba e com o velho bate-cabelo em versão curitibana. Mas elas se esforçam e conseguem divertir. Pelo menos o termômetro, a platéia, aprovou e aplaudia a cada crise epilética das artistas. Preparem-se para se deparar com bons restaurantes, mas que fecham às 11 horas da noite, em pleno Santa Felicidade. Corram, senão ficam sem jantar. Não me avisaram e quase dormi com fome, ou então (caso não encontrasse um restaurante quase fechando), seria obrigado a migrar para o outro lado da cidade, o centro histórico, onde seria obrigado à comer petiscos. Sabe o porque de minha frustração? Trata-se de uma cidade que anuncia ter Rua 24 horas (fechada para obras!), uma Boca Maldita (que remete à ferveção mas calmíssíma pro meu gosto), mas que é... provinciana!!
Um motorista de táxi me resumiu bem o temperamento do curitibano... São educados, mas fechados. Coisa de quem, provavelmente, se acha o brasileiro mais europeu do Brasil. Portanto, não adianta. Vou continuar procurando nights agitadas, gente mais abusada e boemia aonde quer que eu vá! Quando não encontrar, vou considerar o lugar simplesmente funcional!