quinta-feira, 2 de julho de 2009

EUA! Eu Fui (de novo!)


Uma viagem aos Estados Unidos em meio a uma crise econômica, como a que fiz em maio último, pode ser muito útil, principalmente se vivermos em um país, como é o meu caso, em constantes balanceios financeiros e que atingem, sem sombra de dúvidas, a grande população empobrecida brasileira. Sair de um país onde a regra é uma puta falta de investimento público no acesso aos serviços mais essenciais, me fez pensar se, realmente, há uma crise nos EUA, como tantos dizem por aí. Que há desemprego não há dúvidas. Que há aumento da pobreza, também. Mas não há como questionar que tudo isso é inerente ao capitalismo selvagem, opção de uma nação que chama de “american way of life”, a exclusão de milhões de imigrantes e seus descendentes, de um modelo de vida do qual poucos têm acesso. Quando se vê na televisão, ou no metrô de NY imigrantes com Ipods poderosos, ou tênis de última linha, exaltando o sucesso por ter conseguido atravessar a fronteira com o México, não há como duvidar de que isso é fruto de um trabalho quase escravo, e sobretudo de uma ideologia massificada que transforma o fútil em artigo de primeira necessidade. Então onde está a NOVA crise. Ela sempre existiu, ou estava latente debaixo das engrenagens de um sistema cruel e desumano, onde muitos têm pouco e pouquíssimos detêm quase tudo, que o diga a Forbes.
Reflexões à parte, isso não faz dos EUA um lugar menos fantástico de se visitar, se o olhar puder nos levar a reflexões sobre o que significa a desigualdade e o individualismo crescente na sociedade contemporânea. Estar em loco na matriz da modernidade tecnológica, ou na sede de todas as formas de exclusão nos faz pensar (e aí reside uma mea culpa) sobre o fascínio que aquele país exerce sobre mim e muitos, que têm na ponta da língua o discurso da igualdade X desigualdade, riqueza X pobreza e por aí vai. Um paradoxo sem dúvida.
Pois é... eles estão lá. Continuam “estatísticos, com gestos rígidos, sorrisos límpidos e olhos penetrantes no fundo dos que olham, mas não no próprio fundo. Os americanos representam grande parte da alegria existente nesse mundo”, como diz Caetano. Estão lá... soberanos. Fudidos, segundo os analistas de economia, mas soberanos. Continuam vendendo milhões de cuecas CK todos os dias, tênis da Nike aos lotes a cada brasileiro classe média e, lógico, que fabricados às custas de trabalho escravo conseguido na nova Meca da exploração do trabalho humano e barato: a Ásia. Todos estão lá. E nós (outra mea culpa) comprando alucinadamente no limite do cartão! O fato é que, se suportei tanta contradição entre discurso e prática, é porque talvez este discurso não tenha sido tão convincente assim, ou eu seja um tremendo filho da puta. Mas ao menos (ufa) ainda tenho a capacidade de discernimento. Oxalá tome intento e consiga, algum dia, coadunar completamente discurso e prática.

domingo, 3 de maio de 2009

L'AMITIÉ... Fraçoise Hardy

Muitos de meus amigos vieram das nuvens,
Com o sol e a chuva como bagagem.
Fizeram a estação da amizade sincera,
A mais bela das quatro estações da terra.

Têm a doçura das mais belas paisagens,
E a fidelidade dos pássaros migradores.
E em seu coração está gravada uma ternura infinita,
Mas, as vezes, uma tristeza aparece em seus olhos.

Então, vêm se aquecer comigo,
e você também virá.

Poderá retornar às nuvens,
E sorrir de novo a outros rostos,
Distribuir à sua volta um pouco da sua ternura,
Quando alguem quiser esconder sua tristeza.

Como não sabemos o que a vida nos dá,
Talvez eu não seja mais ninguém.
Se me resta um amigo que realmente me compreenda,
Me esquecerei das lágrimas e penas.

Então, talvez eu vá até você aquecer
Meu coração com sua chama.

O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras

Queridos amigos, perdoem-me a ausência, mas escrever é um ato solitário, e ultimamente não tenho estado tão só, embora saiba que a solidão não significa necessariamente estar fisicamente longe de outrem, mas que é, efetivamente um estado de espírito. Mas o trabalho me consome, dando-me a ilusão de que estou sempre junto a outros. Por isso a ausência neste blog.
A providencial solidão me fez reparar um grave erro nestes feriados. Assisti a alguns filmes obrigatórios para uma pessoa que procura, na medida do possível, refletir sobre a vida.
“O declínio do império americano” (Le déclain de l’empire americain -1986) e “Invasões bárbaras”( Les invasions barbares - 2003) são filmes obrigatórios, se temos algo a saber sobre a enrascada que é viver em um mundo, onde a busca pelo sentido da vida parece não ter fim. E quando digo não ter fim refiro-me a imensidão de pensamentos e teorias construídas para explicar o até agora o difícil de explicar: somos todos iguais ou somos todos diferentes? No que vale a pena investir, no individual ou no coletivo? Podem as metateorias, ainda explicar, inclusive, coisas da ordem do individual e do subjetivo. O fato é que foram forjadas nestas últimas décadas, em especial as últimas do século XX, um cabedal de subjetividades que buscam, incessantemente, seu lugar neste mundo de diferenças e onde a luta pela igualdade de condições de vida e dignidade são amortecidas pela fúria de uma globalização desigual e desumana. Talvez por isso os filmes que recomendo tenham mexido tanto comigo. A reflexão não pode ser um fim. Deve, antes de tudo, ser um meio de ultrapassar, ou ao menos impedir que o individual(ismo) sufoque o coletivo, que traz consigo o direito fundamental à dignidade humana.
Os intelectuais dos filmes de Denys Arcand são parte de uma elite pensadora canadense, mas cujo acúmulo de saber erudito não lhes garante o almejado frescor da vida, a inexistência da dúvida, das dores da alma, das frustrações, das incertezas. Mas o que garante o pote de ouro no final do arco-iris? As películas não têm a pretensão de responder isso. Mas talvez a fala de um dos principais personagens de “Les invasions barbares”, homem à beira da morte, Rémy, personagem magistralmente interpretado por Rémy Girard, e que reflete, naquele momento, sobre os excessos impostos pela modernidade, nos dê algum caminho: “Eu não consegui encontrar um sentido...”. Será este o mistério? Vejo isso como o desafio. Não me restam dúvidas que o encontro desse sentido é ao mesmo tempo individual e coletivo, subjetivo e objetivo, espiritual e material. Eis o nó da questão. Administrar essas tensões binárias não é fácil. A grande mensagem dos filmes é a presença providencial dos amigos, que quando verdadeiros, nos apontam algumas possibilidades a seguir, ainda que corramos o risco (salutar) de estarmos no caminho errado. Faz parte do jogo da vida. E da morte, como bem ressaltam os filmes de Arcand.
Sobre o diretor e os filmes:
Denis Arcand é um cineasta canadense, que em suas ultimas obras deixa transparecer o ressentimento com a tradição católica com a qual esteve envolvido na infância e início da adolescência, coisa que não consegue esconder em “Jesus de Montreal” (1989) Em suas obras têm procurado discutir com profundidade questões que podem ser consideradas feridas narcísicas da sociedade contemporânea. Isso fica claro em filmes como “Amor e restos humanos”(Love and human remains – 1993... maravilhoso!) no qual discute a questão da AIDS, e os indicados “O Declínio...” e “As Invasões...”, onde problematiza, através de seus personagens, questões como a sexualidade, fidelidade, intimidade, envelhecimento e sobretudo a amizade. Recomendo com entusiasmo e com a cara-de-pau de quem já poderia ter assistido!

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Sobre o corpo e suas possíveis leituras...


Já faz algum tempo que tenho me debruçado sobre as questões que envolvem a estética corporal. Isso não por acaso. Numa cidade como o Rio de Janeiro, onde as práticas corporais alcançam o status de obrigação, entendo que se faz necessário um cabedal de reflexões sobre os limites e as possibilidades de vida que envolve a busca de um corpo perfeito. Há outro ambiente mais propício que os eventos momescos?
Outro estímulo (ou consequência) para alimentar tal interesse acadêmico foi a recente pesquisa que realizei com mulheres soropositivas, em um ambulatório de HIV/AIDS de um hospital geral da zona portuária do Rio de Janeiro. Tal investigação, como parte das reflexões de minha Dissertação de Mestrado, evidencia um importante processo de autoexclusão da esfera da sociabilidade, em função das mudanças corporais acarretadas pelo uso contínuo de medicamentos antiaids. Nesta pesquisa constatou-se, além das importantes perdas acarretadas pela AIDS e suas consequências biopsíquicas, perdas objetivas com significativos rebatimentos nas condições concretas de vida, dentre elas o acesso ao trabalho, propiciadas, entre outras coisas, pelo afastamento do ideal de beleza contemporâneo.
Se as mulheres que carregam o vírus daquela que é considerada a epidemia do século se inserem nessa lógica cruel de idealização da beleza, com outras mulheres ocorre um processo similar, se considerarmos o fenômeno de massa que envolve a construção destes ideais.
Em minhas reflexões tenho utilizado algumas autoras que têm se dedicado a uma crítica responsável, porém contundente, a forma como tem se manifestado o desejo pelo alcance do corpo perfeito. A partir das reflexões da antropóloga Miriam Goldenberg (IFICS) e da psicóloga Júnia Vilhena de Novaes (PUC-Rio) pude ter acesso a autores clássicos na reflexão daquilo que passamos a chamar, de forma reducionista, de “ditadura da beleza”. Questões como obesidade, corpos sarados e envelhecimento e aparência saudável, tomam um formato capaz de tecer um importante retrato da cultura brasileira nas últimas décadas, cujos moldes apontam para o crescimento exacerbado das academias de ginástica, o consumo de produtos de beleza e rejuvenescimento, cirurgias plásticas, além das dietas milagrosas e perigosas.
Miriam Goldenberg, em recente artigo, defende que o corpo na sociedade contemporânea é um capital, que, além da significação ligada ao exercício do trabalho, é percebido como um importante vetor de ascensão social. Ou seja, um corpo belo, magro e jovem torna aquele que o possui alguém dotado de superioridade, porque conquistado por meio de investimento, trabalho e sacrifício. Sendo assim, a antropóloga assinala, a partir das idéias do sociólogo francês Pierre Bourdieu, que o capital na contemporaneidade tornou-se mais fluido, de forma a abranger aspectos como o econômico, cultural, social, político, simbólico... e físico.
Tal relação da superioridade com o ideal de corpo perfeito sugere uma posição de distinção diante daqueles que não conseguem alcançá-lo. Tal prerrogativa de aceitação e exigência torna-se complexa e cruel, se levarmos em conta que os atributos idealizados tornam-se naturalizados e não encarados como um construto de uma determinada época e contexto histórico. Sendo assim, a autora agrega em suas reflexões as ideias de Marcel Mauss, que sugere ser a “imitação prestigiosa” a alavanca dos desejos e da construção dos corpos e comportamentos correspondentes ao alcance desses ideais e relativos a um determinado tipo de sociedade. Sendo assim, a eleição de determinados modelos (atrizes, modelos, cantoras, atletas) ordena subjetivamente a imitação destes, que por sua vez promove uma falsa impressão do fácil alcance do sucesso.
A questão da feiúra tem sido um dos objetos de estudo de Junia de Vilhena. Não muito distante das discussões de Goldenberg, a autora reflete acerca da tirania do consumo, na busca de um corpo perfeito e distante do ideal de distanciamento da beleza. Sendo assim, é importante pensar que um ideal de beleza corresponde a um determinado ideal de feiúra, ditados por um mercado ávido por vender produtos milagrosos de beleza e “naturalmente necessários”. Talvez a grande contribuição de Vilhena seja o vislumbre de uma ameaça que paira sobre essa lógica, na medida em que esses ideais estéticos se aproximam de forma substantiva das teorias racistas que justificaram e ainda justificam as grandes atrocidades da humanidade. Sendo assim, nessa lógica, o gordo, além de feio, torna-se culturalmente dotado de características moralmente negativas, um atributo moral e não apenas biológico, porque ser magro tornou-se um valor social. Ainda utilizando-se a obesidade como exemplo, pode dizer que a gordura figura como um dos piores desleixos, que se traduz como um modo inadequado no lidar com o corpo. Tal processo geralmente causa, entre outras formas de exclusão, a lipofobia (horror à gordura), sintoma social que forja, entre outras coisas, a ideia de que se trata tão somente de uma questão de esforço pessoal e não um produto da natureza, muitas vezes relacionado com graves patologias. Sendo assim, nos deparamos com um conjunto de discursos que normalizam o corpo ideal: o científico, publicitário, tecnológico, médico e porque não dizer o filosófico que legitimam práticas de alcance a corpos considerados perfeitos, que longe de serem regras, são exceções. Ou alguém encontra com assiduidade, no meio da rua, corpos como o de Gisele Bündchen?
Desta forma, o esforço de inserção e alimentação dessa discussão, como sinaliza Vilhena, é o de superar a visão simplista, que reduz o cuidado do corpo ao narcisismo ou à alienação, o que sugere questões imersas no caldo cultural da globalização, do mundo do consumo e com repercussões na construção dos ideais estéticos de homens e mulheres e crianças.
Nesse sentido, fomentar um debate em torno dos ditames culturais em torno dos ideais de beleza, sinalizam uma responsabilidade com a vida. Ou é possível ignorar que tais questões acarretem que o cultural, com fenômeno socialmente construído, tenham repercussões no biológico? Um claro exemplo é a anorexia nervosa, distúrbio psiquiátrico, cujo uma das principais causas é uma preocupação exagerada com o peso corporal. Tal patologia reflete um desacordo entre a imagem corporal idealizada e a real ou possível de se alcançar, refletido diante de nossos olhos, no espelho. Isso faz com que faz com que uma das principais características desse distúrbio alimentar seja uma equivocada noção da imagem corporal, que leva a um verdadeiro autobiocote em termos de alimentação, acarretando, não raras vezes, a morte.
Voltarei a esse tema, não dividem, por considerar um das feridas narcísicas (me fazendo valer de um termo cunhado por Freud) da sociedade contemporânea.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Obama lá, não aqui!


A grande expectativa no Brasil deste início de ano fica por conta da posse de Barack Obama. O novo presidente dos EUA tem gerado uma onda de otimismo, como se fosse a salvação de décadas de exploração e imperialismo norteamericano. Em um momento em que a economia estadunidense passa por uma violenta crise, acho estranho que a expectativa seja mais nossa (pelo menos é o que me parece), do que deles. Mas a explicação deste entusiasmo talvez resida na baixa autoestima do brasileiro, mais especificamente do negro brasileiro. Isso me leva a pensar que há um “que” de ingenuidade na esperança depositada na posse do primeiro presidente negro da história dos países desenvolvidos e como se nossas mazelas estivessem com os dias contados.
Talvez a explicação mais viável para esse equivocado entusiasmo seja um desconhecimento da dinâmica racial que acompanha Brasil e EUA em suas especificidades. As mazelas dos negros americanos ainda estão lá, e a capital Washington é uma prova cabal disso. Tive a oportunidade de conhecer DC em abril do ano passado e como todo bom assistente social fiz questão de percorrer bairros periféricos da capital americana. Claro que presenciei um grande, para não dizer imenso, contingente negro em condições precárias de existência e desemprego.
Washington tem hoje uma das maiores populações negras dos EUA e um dos maiores índices de criminalidade, o que me faz associá-la a precariedade e pobreza de um pais que optou por um capitalismo selvagem como forma de gerar um suposto (e desigual) desenvolvimento. Mesmo assim, o contingente de negros na universidade é relevante o bastante para gerar uma considerável classe média negra americana, fruto de um bem sucedido sistema de cotas, do qual inclusive o presidente Obama foi beneficiado. Se as questões racistas entre os estadunidenses ainda não estão suficientemente resolvidas, e ainda geram conflitos raciais violentos, o drama da intolerância se agrava a partir de uma nova configuração da problemática racial, proveniente do inesgotável processo imigratório. Os ‘cucarachas” estão lá e não deixam dúvidas, fazendo o trabalho sujo que o americano médio não quer fazer. As fronteiras ainda estão a todo vapor, despejando, literalmente, milhares de ilegais todos os meses, em um país que só pode oferecer frio (frieza) e trabalho semiescravo, mas invocando estrategicamente a todo momento o “american way of life”, como forma de permanecer no topo do mundo.
Aqui as coisas são diferentes. Ainda há uma luta pela implantação das cotas. A classe dominante não quer “largar o osso” e afirma tratar-se as cotas de um racismo às avessas. Parece se esquecer, porque conveniente, de séculos de escravidão que enriqueceu seus antepassados e alimenta, ainda hoje, suas aplicações nos paraísos fiscais do Caribe. O mito da democracia racial, do qual Gilberto Freire foi multiplicador e idealizador com seu “Casa Grande e Senzala”, ainda tenta dar conta de que vivemos em um paraíso racial, multiétnico e colorido, isento de grande conflitos. Estatísticas mentirosas procuram demonstrar numericamente a chegada do negro brasileiro à classe média, como se as favelas e guetos lotados de pretos fossem espaço de conforto e qualidade de vida. As prisões estão lotadas de homens negros e os filhos pretinhos desta população têm grande chance de não terminar sequer o nível fundamental.
Mesmo assim continuamos a depositar no pobre Obama nossas frustrações, expectativas e sonhos não realizados, como se a história dos negros brasileiros e americanos fosse uma só. É importante, considero, estabelecer sim uma ponte entre o racismo nos dois paises, considerando a grande diápora negra, consequência da concretização da base do capitalismo contemporâneo. Entretanto não é menos importante relativizar os sentimentos dos negros americanos com a chegada de Obama ao poder, na medida em que, se houver progressos na questão racial americana, serão na e para a sociedade americana, coberta de possibilidades concretas de mudança, haja vista a trajetória do novo presidente. O que sobrar para o Brasil, a curto e médio prazo, pode ser apenas uma passageira elevação na autoestima, que deve passar, quando percebermos que a nova estrela pop da política internacional governará tão somente para os americanos. Mas devo dizer que fiquei feliz e... que é bom ter um negão lá, lá isso é. A ver!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Sobre o amor e a morte...




O que se pensa ou se fala sobre as relações interpessoais, ou ainda, as relações que convencionamos chamar de amorosas ou afetivo-sexuais, envolvem um grande cabedal de reflexões. Todos sabemos teorizar ou filosofar sobre o amor, sobretudo quando estamos apaixonados ou lidamos com situações de discurso afeto em nosso dia-a-dia. Em meu cotidiano profissional costumo ouvir de tudo um pouco, ainda que às vezes somente possa dar espaço a catarse pura e imediata. Aquela que libera a respiração para outras falas que me interessam em meu processo interventivo. Mas não adianta. Tudo o que ouço está ligado, extremamente ligado, ao afeto. Não há como ignorar as falas, que sendo da ordem das relações humanas e afetivas, promovem em mim necessidades de reflexão. Daí tenho pensado no amor e na morte. Seriam instâncias meramente opostas? Não seria reducionista atribuir à falta de amor, o desejo de morrer? Mas seria esse desejo, uma aproximação concreta e consciente da morte física e biológica?
Emile Durkheim em “O Suicídio” (1897) ousou dizer que o autoextermínio teria uma razão,uma motivação social e não individual. Sendo assim o sociólogo e pai da sociologia descreve três tipos de suicídio: o egoísta, no qual o indivíduo se afasta de sua condição humana; o anômico ou original, em que se vêem obstruídas as possibilidades de se estabelecer normas e regras que valorizem a vida e o altruísta, suicídio por lealdade a uma causa. Durkheim estava parcialmente certo ou relutantemente errado, o que se pode observar com as idéias revolucionárias de Sigmund Freud acerca do inconsciente.
Contemporâneo idéias de Durkheim, Freud, sobre a morte, ou “quase” sobre a morte, fundamenta em sua extensa obra o conceito de “pulsão de morte”. Este reside na argumentação que tem como referência a biologia (e seus parâmetros positivistas)e a mitologia grega, quando vai de encontro ao mito de Aristófanes, cujo objetivo foi alcançar uma vida amorosa favorável – sua pulsão de vida – de acordo com a leitura Freudiana.
A pulsão destrutiva - de morte – sugere, assim, um retorno ao inanimado, à inércia que procede a vida. E é essa negação do “eu” vivo e constante, do pulsar da vida biológica, que o pai da psicanálise avalia como um conflito psíquico, que tem como base desejos que são aparentemente antagônicos, porque presentes na vida de todos nós, em maior ou menor intensidade. Esse é o aparente antagonismo entre a vida (Eros) e a morte (Thânatos), ao qual todos, todos, estamos sujeitos.
Em tempos de masoquismos e autoboicotes há de se fazer uma diferenciação entre estes e o amor, segundo a psicanálise inaugurada por Freud. Os primeiros se aproximam do adiamento da satisfação, da recusa da condição desejante do prazer, porque autodestrutivo. Ao amor, nos cabe vinculá-lo à sublimação que, para além das pulsões, permite o exercício do prazer, não só pelo sexo, mas em atividades psíquicas elevadas, artísticas ou ideológicas. Afastando-se dos estados de infelicidade ou comportamentos antissociais, o amor sublime parece produzir, se sublime de fato, um afastamento do “eu” inadequado à vida que pulsa. O amor não pode, portanto, sufocar. Não deve ser aquele que se justifica pelo discurso inoportuno do “eu te amo” que avança cegamente sobre o outro (ou dos outros) – que descaracteriza esse outro e que por isso pretende do outro se apropriar.
Assim, os amores doentios significam uma captura da essência do outro, que não é mais nada, senão a causa dos desejos (de TODOS os desejos) de quem supostamente se ama. Na ilusão do outro tratar-se de um “ser total”, transformamos nosso pares na fonte do impossível, do inatingível, do inumano... do perfeito.
Desta forma, o amor sublimado tem como fim gerar o belo, ainda que por caminhos tortuosos que podem percorrer, por exemplo, o estado fugaz da paixão (ainda que às vezes seja esse um caminho deliciosamente perigoso) – mas que pode avançar em direção à ética, ao sofrimento do(s) outro(s), à escuta e compreensão daquele(a) que percebemos como fonte de nossos desejos . O amor então caminha em direção à sublimação, porque se pretende sublime, ou como disse Sócrates: “O amor parece ser um intermediário entre os homens e os deuses”.
Falemos mais do amor, esse sentimento tão banalizado em nosso dia-a-dia e que por ser tão pouco compreendido fornece elementos medíocres para folhetins baratos, sem substância e sem significado para a vida que pulsa.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Feliz 2009!


Ontem recebi uma ligação de uma pessoa a quem prezo muito. Trata-se de Gabriel, amigo que conheci quando morei e vivi dias maravilhosos na Espanha, país que aprendi a amar! Estudei com Gabriel na Universidade Autônoma de Madri, mais especificamente em uma disciplina que discutia as relações de gênero, ministrada por uma amiga em comum, Cristina Sánches Muñoz. Gabriel é uma pessoa especial. Logo nas primeiras semanas de aula fomos a um dos inúmeros cafés da universidade, o que fez que durante o curso levássemos para a sala de aula os papos acalorados que tínhamos durante um churro e outro. Isso fez, e honestamente é um mero detalhe nessa estória de amizade, que engrenássemos um namoro, que fez com que minha estada na capital espanhola se tornasse mais colorida e feliz! Viajamos pra caramba e aprendi com este espanhol de Villa Verde Alto, coisas que a universidade se recusa a ensinar: humildade intelectual e coragem de falar coisas que nem sempre a maioria, porque careta demais, gostaria de ouvir. Voltei para o Brasil e Gabriel, pouco depois, se casou com uma feminista judia, amiga em comum, e recentemente me disse ter se convertido ao islamismo, para desespero da mãe, católica ferrenha. Ruth Meyer, amiga e mulher de Gabriel, agora espera uma filha, que se chamará Raquel.
Na conversa de quase duas horas no MSN, em que conversamos sobre a vida e seus descompassos, este irmão me revelou a preocupação e responsabilidade em botar no mundo uma mulher. Como garantir a felicidade de um filho, perguntava? O que priorizar na educação? Como ensinar uma mulher a se proteger de um mundo ainda machista? Me recordo de, no Marrocos, numa atitude panfletária e juvenil, sairmos juntos catando o lixo que alguns turistas babacas jogavam no chão das medinas, só para provocar um debate sobre a consciência ecológica. Não fomos felizes nos debates provocados, mas éramos felizes por termos com quem compartilhar idéias e reflexões em meio à falta de consciência de pessoas que se dizem civilizadas. Gabriel me disse uma coisa que me emocionou: “quisera Alah prover para Rachel amigos como tu , para que pudesse se sentir amparada em momentos de reivindicação por civilidade e amor ao próximo”. Fiquei feliz e emocionado, embora ache, honestamente, que a pequena filha de meu amigo mereça coisa melhor! Ando menos panfletário, admito. Mas ainda acho que seja nossa maior responsabilidade SER alguém disponível, para que o outro se sinta acolhido em suas angústias e questionamentos. Isso não é fácil. É um exercício diário, de total desprendimento daquilo que levamos a vida inteira fazendo, alimentando nosso ego e nosso individualismo. Estar disponível, acredito, é estar aberto às diferenças, sabendo que o objetivo é ser igual no direito de viver com dignidade. Por isso procede e muito a preocupação de Gabriel. Afinal, o que estamos fazendo para que Raquel encontre um mundo melhor?
Honestamente penso que avancei um pouco, após 42 anos de vida, no sentimento de alteridade, de me colocar no lugar do outro, não por questões puramente religiosas, mas porque considero, sobretudo, uma atitude ética, onde o coletivo deve ser o fim, e não o meio para benefícios individuais. Talvez Gandhi tenha sido um dos maiores sábios do século passado, quando disse que devemos ser nós mesmos, a mudança que queremos para o mundo e assim, projetarmos no outro, esses avanços, em direção à um mundo justo e fraterno. Sei das dificuldades que isso envolve, mas pelo menos Gabriel pode continuar contando comigo para enfrentar àqueles que jogam no chão das medinas da vida sua falta de consciência. Isso já é um começo. Um bom começo também seria no dia-a-dia de nossas ações cotidianas e aparentemente banais: respeitarmos as filas, darmos lugar aos idosos nos coletivos, jogarmos lixo nas lixeiras, darmos bom dia aos vizinhos, ter uma atitude de carinho com o outro sempre que estivermos mal humorados, não termos sentimentos de vingança... definitivamente não é uma tarefa fácil. Mas refletir sobre isso, certamente fará com que amanhã avancemos em direção a um mundo melhor, onde a pena (o pior dos sentimentos, em minha opinião, porque nos coloca acima do outro, e não em condições de igualdade), dê lugar ao sentimento mais nobre que podemos ter: o amor.
No final de minha “terapia” com Gabriel, não pude deixar de perguntar por que este, casado com uma judia, não se converteu ao judaísmo, optando pelo islamismo. Meu amigo, quando achei que já tinha me ensinado o suficiente no último dia do ano, me respondeu: “Porque me converter ao islamismo pode me proporcionar exatamente o que desejo de uma relação: o respeito e a absoluta tolerância às diferenças. O que mais poderia ser um exemplo de amor para minha filha Raquel, do que isso?” Seja bem-vinda Raquel. Tio Dionísio já te ama profundamente.

FELIZ 2009!!!!!!!!!!!!!!!