terça-feira, 2 de dezembro de 2008

As paradas gays e o marasmo existencial


Aconteceu no último dia 23 de novembro, a terceira parada gay da Zona Leste de São Paulo. Acho que é a temporão. Não me surpreendi com a data. Há muito tempo o dia 28 de junho (Dia Internacional do Orgulho Gay) deixou de ser uma referência para os eventos da militância LGBTTS. Isso se deve a vários motivos. Mas o principal, considero, são as especificidades de cada lugar onde ocorre parada. Estas especificidades relacionam-se, em primeiro lugar, à boa vontade e interesse das autoridades em liberar o espaço onde vai ocorrer o evento (em geral a avenida mais movimentada da cidade ou bairro). Como as paradas ultimamente viraram um grande celeiro de votos, o dilema é quase sempre resolvido.
Outra especificidade está ligada aos patrocínios e apoios. Tendo em vista que a população alvo mostra-se extremamente consumidora, os apoios acabam surgindo (boates, sites de relacionamento, saunas, além do imprescindível apoio público), viabilizando apoio logístico/estrutural. Considero este o mais importante. Não consigo imaginar uma parada LGBTTS sem os famosos trios elétricos, e que transformam um evento pretensamente político em um grande micareta. Claro que o teor político das paradas está capengando, mas não se pode negar que nunca, o chamando movimento gay, teve tanta visibilidade, mesmo que às custas de matérias sensacionalistas e ridículas. Mas voltemos às especificidades. Talvez o menos preponderante para a viabilização destas manifestações seja as diferenças que encontramos dentro do próprio movimento. Como se pode observar, está cada vez mais nítida uma grande cisão entre o que chamamos genericamente de homossexuais. Nesta imensa fauna de indivíduos ávidos por igualdade podemos distinguir um grande espectro de sexualidades e seus comportamentos correlatos, o que transforma as paradas gays em um grande espetáculo, que faz jus ao seu símbolo maior: o arco-íris. Temos hoje como representantes desses matizes entendidos, travestis, transexuais, bichas-loucas, boysinhos, barbies, caminhoneiras, lesbian-chics, gilettes etc, etc... É muita informação, acreditem. E essa é a riqueza que guarda cada parada gay. Dependendo do lugar onde ocorrem, esses personagens da vida real aparecem com mais ou menos intensidade ou quantidade, caracterizando de maneira explícita o modus vivendi de cada território. Traduzindo: a forma como a população GLBTT é tratada ou vista pelo local.
As paradas surgem, portanto, como uma alternativa (legítima) ao marasmo da cidade/localidade, o que faz com que a relação gay-alegria se acentue. Se isso é uma estratégia, eu não sei. Mas acredito tratar-se de uma faca de dois gumes, que pode voltar em forma de estigma e exigências estapafúrdias (todo gay tem a obrigação de estar alegre). Mas a estratégia anti-marasmo está dentro de um contexto maior. Trata-se de uma tendência global, que Guy Debord chamou há quatro décadas atrás de “sociedade do espetáculo”: “Nosso tempo, sem dúvida... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser”, afirma o pensador. Nessa lógica, as micaretas gays cumprem bem seu mandato, quebrando o marasmo social. Espero que quebrem, também, o marasmo existencial de milhares de homens e mulheres, que continuam, por motivos de ordem estritamente pessoal, a reprimir seus desejos mais intensos.

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